Em Busca Do Tempo Perdido 6 a Fugitiva

A fugitiva pode ser visto como um livro do luto. Um luto pesado. O protagonista, Marcel, que vem desfiando sua gigantesca teia de passado, se v? de repente, sozinho. Sua Albertina, "p嫳saro maravilhoso", escapa de suas m緌s, e vai embora, sem deixar recados. Todo um c甏culo de cie, lamenta誽o e inven誽o amorosa se abre diante dele. Quando essa constru誽o, que se passa por dentro, no jogo obsessivo entre realidade e imagina誽o, atinge seu 嫚ice, ele recebe a not獳ia dolorosa: a delicada Albertina fora lan蓷da, pelo cavalo, contra uma 嫫vore e morrera. Novo c甏culo, ent緌, se abre, agora recompondo em v嫫ios n癉eis a rela誽o entre os dois, desde os passeios de bicicleta por Balbec at?as cartas finais, ap鏀 a separa誽o. Em Marcel Proust, todo resumo torna-se fr墔il diante das filigranas do seu estilo, que o leitor j?vem acompanhando desde No caminho do Swann, primeiro volume desta monumental obra que ?Em busca do tempo perdido. As ambiguidades do sentimento amoroso - entre a necessidade da presen蓷 da mulher de sua adora誽o e o desejo de seu total afastamento, com o filtro venenoso do cie - podem dirigir o olhar do leitor para uma narrativa at?um tanto pat彋ica e doentia. No entanto, os fatos n緌 est緌 no centro do romance, mas a mem鏎ia, que preside cada linha tra蓷da exaustivamente ao longo do livro. Uma dor ?a separa誽o amorosa, a outra, agora, ?o caminho do esquecimento, que a morte preside: "Para me consolar, n緌 era uma, eram ineras Albertines que eu deveria esquecer. Quando tinha chegado a suportar a m墔oa de perder esta aqui, tinha de recome蓷r com rela誽o a outra, a cem outras". A evoca誽o da mulher se torna o caminho da escrita, at?o seu esgotamento total. Proust, neste ponto, ?sempre um artista genial, capaz de lan蓷r o leitor a uma s廨ie de compara踥es ou sugest髊s po彋icas e sens癉eis que tornam seu texto uma obra irretoc嫛el beleza. A partir da fuga de Albertina, ele passa a perseguir suas didas, alimentadas pelo cie, tamb幦 um fonte de prazer intenso, recompondo, como um detetive, todos os passos de sua amada, principalmente sua rela誽o com outras mulheres. E neste trilhar pelo passado, o escritor incrusta um retrato ir獼ico e mordaz da vida mundana parisiense do come蔞 do s嶰ulo XX, com seus sal髊s, jantares e conversas em torno da mesa cujo prato principal s緌 as rusgas de uma aristocracia arruinada e uma burguesia que busca nos aristocratas seu modelo nobre. Esta reedi誽o de A fugitiva, que teve a brilhante tradu誽o do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, um confesso apaixonado pelo estilo do escritor franc瘰, traz ainda pref塶io, notas, resumo e revis緌 t嶰nica do professor da Unifesp e especialista em Proust Guilherme Ign塶io da Silva, que traduziu, a partir do texto estabelecido pela Biblioth鋂ue de la Pl嶯ade (1989), os trechos que n緌 constavam da edi誽o utilizada por Drummond. A edi誽o conta ainda com posf塶io assinado pelo professor de filosofia da USP Franklin Leopoldo e Silva, al幦 de uma cronologia da vida de Marcel Proust. *Heitor Ferraz ?jornalista, professor e poeta.